segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

Wikileaks: falar antes de perceber

Nesta discussão sobre a publicação dos telegramas entendo que o conteúdo de muitos tem informação relevante, que devia ter sido passada aos eleitores. A troca de valores que justifica algumas das acções diplomáticas deve ser do conhecimento dos eleitores.
Ainda só foram publicados cerca de 1000 telegramas de 250000. Infelizmente muitos preferem discutir o mensageiro, por vezes de forma ignorante ou manipuladora, como:

Que os telegramas foram pirateados/roubados por intrusão no sistema informático da diplomacia americana
É falso, este é um aproveitamento de definições raramente exploradas de palavras como intrusão e de conceitos como intrusão de sistemas informáticos. A Wikileaks diz que se organiza de forma a que ela própria não tenha capacidade de conhecer a fonte de informação. Formalmente não se conhece a fonte dos telegramas, houve um soldado americano que foi acusado e preso por, em conversa com um jornalista da revista americana Wired, ter dito que havia libertado uma grande quantidade informação classificada. A Wikileaks alega que não há (e até agora não se conhece) forma de conhecer quem ou como foram libertados os telegramas. A explicação corrente é que esse soldado americano, que tinha acesso para consultar aqueles documentos os gravou num CD tendo mais tarde arranjado uma forma de os fazer chegar à Wikileaks. A Wikileaks diz que aceita receber (para publicar) documentos originais (para os quais verifica a veracidade com fontes próprias - como supostamente devem fazer todos os jornalistas) mas aceita documentos entregues quer por via informática quer de forma física em apartados e caixas de correio disponíveis em alguns pontos no mundo.

Que é relevante conhecer os objectivos políticos do grupo Wikileaks, ou de Julian Assange
Objectivos políticos e efeitos políticos são coisas diferentes. Uma coisa é uma acção ter como alvo determinadas consequências políticas, outra coisa são as consequências políticas efectivas ou reais. Costuma dizer-se que "as tecnologias não têm fins políticos, podem é ser usadas para isso". Por outro lado, todas as tecnologias têm efeitos políticos, as armas, a pílula, o computador, até a roda, todos têm efeitos políticos. Obviamente, as acções da Wikileaks tem efeitos políticos que interessam a todos. E é possível que a Wikileaks (ou os membros da Wikileaks) tenham objectivos políticos mas estes só são relevantes para quem quer impedir a acção da Wikileaks, no sentido em que só se quer conhecer a origem (a causa) de uma fuga para a fechar. São os resultados que contam.

Que as acções da Wikileaks são prejudiciais à transparência
A curto prazo as acções da Wikileaks aumentam objectivamente a transparência. A médio e longo prazo ainda está em aberto o que vai acontecer. Na perspectiva de quem acha que a diplomacia (americana) funciona razoavelmente e com resultados aceitáveis, o remédio é apenas sintomático - evitar a turbulência e a imprevisibilidade de novas fugas, fechar melhor os documentos internos e diminuir o numero e ponderar melhor quem tem acesso a esses documentos. Para quem acha (ou ficou a achar) que a diplomacia funciona mal e que causa efeitos não aceitáveis, o remédio tem que ser apontado às causas e o ritmo de diagnósticos de prevenção têm que ser aumentado - mais transparência, mais protecção a organizações como a Wikileaks, um controlo mais distribuído e exigente da informação circulada em documentos internos.
Parece-me que, no que é possível, ambas as coisas vão acontecer: vai ser mais difícil copiar quantidades massivas de informação por aplicação directa de tecnologias como o DRM (digital rights management), o mercado de equipamentos certificados vai aumentar às custas do restante mercado de informática, a informação vai ser mais compartimentada. Já quanto ao numero de pessoas com acesso real e enquadrado à informação, vai crescer ou diminuir conforme houver mais transparência ou não.

Que a informação é conhecida, que não é nada de novo
Os segredos são sempre conhecidos por alguém. Existem pessoas que no passado alertaram para a larga maioria dos factos que estão a ser publicados, existem e merecem crédito. Apenas uma minoria aceitava como verdadeiras ou legitimas as conclusões por eles apresentadas; a pergunta é se a legitimidade da fonte destes telegramas leva a uma maior aceitação como verdadeiros os factos agora publicados.

Que é a Caras ou a TMZ da diplomacia, ie que é pouco mais que coscuvilhice
Abstenho-me de comentar o porquê de os jornais dedicaram as primeiras notícias a telegramas de coscuvilhice.
Parece-me mal que a diplomacia americana funcione na base de um Facebook interno mas não acho terrível, acho pouco profissional, e pouco séria a forma taxativa e sub-analítica com que se escreveram os textos de muitos telegramas, parece-me que era fácil fazer melhor, mais diplomaticamente.

Que há informação que não devia ter sido revelada
Se a Wikileaks escolhesse telegramas a não divulgar era acusada com muito mais veemência de fazer escolhas políticas. Assim escolheu não escolher e acaba por ser criticada por não ter critério. É uma escolha que coube à Wikileaks.

Que põe em causa vida de pessoas por revelar as fontes que deram informação aos diplomatas americanos
Os telegramas estão a ser publicados em primeiro lugar pelos jornais, que têm retirado essa informação, é também conhecido que através do NYT o governo americano tem participado nessas edições.

Que é uma organização terrorista
Uma organização terrorista... a pergunta que deixo é: aterroriza a quem? Se a Wikileaks é uma organização terrorista, quem são os aterrorizados?

Mas como disse acima, o conteúdo de uma parte significativa dos telegramas publicados é relevante, os eleitores merecem que essa informação já lhes tivesse sido dada. A discussão do mensageiro pouco mais serve que para roubar espaço de notícias sobre conteúdo dos telegramas.

Posts relacionados: