Para se perceber bem a extensão da manipulação do juiz sindicalista António Martins, que insinuou a interferência do governo nas notícias da LUSA sobre o relatório europeu de Justiça, vale a pena recordar o que foi noticiado em 2005 com base no primeiro relatório publicado.
Na edição de 28Mai2005 do Expresso as notícias incluíam:
Campeões na despesa...
Entre 40 países, Portugal é o que mais gasta com o funcionamento da Justiça, segundo um estudo do Conselho da Europa
Um estudo do Conselho da Europa revela dados extraordinários. O funcionamento dos tribunais custa, a cada português, 46,98 euros por ano, não contando com o apoio judiciário, que importa em mais 2,94 euros per capita. Os espanhóis, por exemplo, pagam metade deste valor e na UE só quatro países dão mais dinheiro à máquina judicial: Áustria, Alemanha, Bélgica e Eslovénia.
Mas há mais dados inesperados neste inquérito em que o Conselho da Europa «conseguiu, pela primeira vez, reunir tal volume de informação sobre 40 Estados europeus». A informação estatística relativa a Portugal foi fornecida pelo Ministério da Justiça, através do Gabinete de Política Legislativa e Planeamento. O inquérito, realizado por peritos, incidiu sobre o ano de 2002 e está a ser apresentado publicamente em diversos organismos internacionais.
Despesa de ricos.
Quando se compara a despesa pública com o nível de vida, os resultados são ainda mais surpreendentes. Se excluirmos a Sérvia (que não pertence à UE), Portugal é o país que mais dinheiro gasta na Justiça. «Na maioria dos países, esse montante por habitante varia entre 0,1 e 0,3% do salário bruto médio», esclarece o relatório. No caso português, esse valor é de 0,6%. Esta despesa representa o triplo da alemã e cinco vezes mais que a Noruega.
Quando se compara a quantidade de tribunais, a Espanha é o país que surge em primeiro lugar: tem 67 tribunais por milhão de habitantes. Portugal também aparece em lugar destacado: «Na maior parte dos países, o número de tribunais de primeira instância por milhão de habitantes situa-se entre 10 a 25». Portugal tem 34 - um número significativamente superior à média e até ao de países nórdicos como a Suécia ou a Finlândia.
No número de juízes, Portugal também está em vantagem: o país tem, em números redondos 1.500 juízes, o que significa três magistrados para cada 20.000 habitantes. Uma rácio melhor que a de outros países latinos, como a Espanha (2,0), a França (2,1) ou a Itália (2,3), e superior à de países mais distantes como a Dinamarca (1,4) ou o Reino Unido (0,7).
Argumento em causa.
Em relação ao Ministério Público, o retrato é semelhante: Portugal tem 2,3 procuradores por 20.000 habitantes. Este valor só é ultrapassado por países recém-chegados à União Europeia, como a Estónia (2,4), a Hungria (2,8) ou a Letónia (5,6). Curiosamente, a carga de trabalho do Ministério Público não é tão pesada como noutros países: o número de casos por 100.000 habitantes não atinge em Portugal os 5.000, um valor significativamente inferior a Áustria, Itália, Espanha, França e Alemanha.
Se olharmos para o quadro do pessoal administrativo, os resultados também são inesperados. Os tribunais portugueses empregam 9.700 funcionários judiciais, ou seja, são 93,4 por 100.000 habitantes. Os países mais ricos têm menos pessoal administrativo: Áustria (66,96), Dinamarca (41), Finlândia (50,01), França (26,71).
Estes dados contrariam, como se vê, a habitual argumentação de que a Justiça portuguesa emperra por falta de meios.
... e nos atrasos
Gasta-se muito e os resultados são dos piores quanto à duração dos processos
Quando se mede a eficácia do aparelho judicial, Portugal cai a pique nas estatísticas. O estudo do Conselho da Europa comparou a duração média dos processos em quatro tipos de casos: divórcio, roubo, homicídio e despedimento.
Vejamos os crimes de roubo, os que mais afectam o quotidiano dos cidadãos. Em Portugal, o processo demora, em média, 310 dias até ao julgamento em primeira instância (o tribunal «de base», onde os casos são julgados pela primeira vez). Na UE, só a Letónia e a Hungria têm pior resultado. Em relação aos divórcios, Portugal ganha a «medalha de ouro» no atraso: até se obter uma sentença de primeira instância é preciso esperar, em média, cerca de 350 dias. Conseguimos assim a primazia sobre a França, que surge em segundo lugar nesta tabela sobre a (in)eficácia do aparelho judicial.
De salientar, porém, que quando se avalia o número de processos pendentes por 100.000 habitantes, Portugal obtém 6.540, uma fasquia alta, que nos coloca entre os países da UE com maior carga de trabalho nos tribunais: Hungria, Irlanda, Itália, Polónia e Inglaterra.
O salário dos juízes é outra curiosidade deste inquérito. Em Portugal, um juiz em início de carreira tem um salário anual bruto de 32.000 euros. É mais do que recebem os austríacos (28.000) ou os franceses (23.000). E um juiz do Supremo Tribunal de Justiça, que recebe anualmente 77.000 euros brutos é ultrapassado pelo seu homólogo austríaco (110.000), mas fica, mesmo assim, à frente do francês (65.000). Mas nestes países, é justo notar, é permitido ao juiz acumular o cargo com outras actividades profissionais.
Comparar os sistemas judiciais de 40 países diferentes é uma tarefa complexa. O questionário teve de abarcar países tão diversos quanto a Federação russa (com 145 milhões de cidadãos) e o Liechtenstein (33.000 habitantes), alguns Estados federados e uma multiplicidade de conceitos distintos. O próprio relatório reconhece que haverá certamente «imperfeições» e que alguns resultados devem ser encarados com «prudência». Contudo, a Comissão Europeia para a Eficácia da Justiça (CEPEJ) - o organismo do Conselho da Europa que liderou o projecto - afirma que foi dado o primeiro passo para a reforma da Justiça que afecta 800 milhões de europeus. Sinal evidente de que a generalidade dos tribunais europeus funciona mal é o facto de o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem estar literalmente afundado em queixas, sobretudo devido a atrasos na Justiça. No caso português, é precisamente a justiça tardia que origina 99% dos processos que chegam a Estrasburgo.
Como se pode ver, na altura do relatório (publicado em 2005, usa dados de 2002), apenas um país economicamente comparável, a Eslovénia, tinha gastos em justiça por habitante tão elevados quanto Portugal. É também de notar que em 2002 falava-se de haver 1500 juízes em Portugal, hoje fala-se em 1800 - um crescimento de mais 20% no numero de juízes. E há que sublinhar o que é mencionado sobre os salários dos juizes.
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